Acesso à Habitação: O principal problema da cidade debatido na Assembleia Municipal por iniciativa da CDU

No passado dia 1/02, a pedido do grupo municipal da CDU, reuniu a Assembleia Municipal para debater o problema d falta de habitação acessível no Porto e o despovoamento da cidade. Nesta sessão o eleito da CDU, Rui Sá, salientou que as propostas concretas que a CDU apresentou na reunião resultam do conhecimento adquirido, num trabalho ímpar que devia ser valorizado e aproveitado pela maioria municipal, no contacto com as populações nos locais onde estas vivem e no gabinete de atendimento municipal. As propostas apresentadas pela CDU foram rejeitadas pelos votos contrários do grupo municipal de apoio a Rui Moreira, com a abstenção do PSD e o voto favorável dos restantes partidos.

Ler aqui a intervenção de Rui Sá e as propostas apresentadas:

  1. A HABITAÇÃO CONTINUA A SER O PRINCIPAL PROBLEMA DO PORTO E A ORIGEM DA SUA PERDA DE POPULAÇÃO

Há pouco mais de quatro anos, no início deste mandato, convocámos uma sessão extraordinária da Assembleia Municipal para discutir, exatamente, o tema desta: “O acesso à habitação na cidade do Porto”. E esta coincidência, como procurarei demonstrar nesta intervenção, não se deve a descuido ou a falta de imaginação.

De facto, em 2001, quando apenas a CDU e os seus eleitos chamavam a atenção para o estado de degradação dos bairros municipais (fruto de políticas de abandono que levavam a que as rendas arrecadadas fossem superiores às verbas investidas na sua manutenção), bem como para os atrasos que se registavam na construção de novas habitações sociais no âmbito do PER, e para o estado de degradação em que se encontravam milhares de habitações, designadamente nas ilhas; em 2001, dizia, a CDU apresentou às restantes forças políticas a proposta de subscrição de um pacto que reconhecesse a gravidade da situação e que estabelecesse um plano de investimentos com o objetivo de, em 20 anos, se resolver o problema habitacional do Porto.

Infelizmente já passaram esses vinte anos e a habitação (nas vertentes de falta, degradação e acessibilidade à mesma) continua a ser, na opinião da CDU, o principal problema da cidade, do qual resulta outro muito importante: a perda demográfica da cidade, associada a processos de alteração da sua composição social, quando as famílias de menores posses económicas são centrifugadas para os concelhos vizinhos (refira-se, a propósito, que em cinco anos, entre as eleições presidenciais de 2016 e de 2021, o Porto perdeu 8346 eleitores, ou seja, 5,7 eleitores por dia!).

Naturalmente que neste período muitas coisas positivas foram feitas, grande parte das quais fruto da persistência com que a CDU, permanentemente e em conjunto com as lutas das populações, foi denunciando os problemas concretos e propondo soluções para os mesmos. Hoje, passados estes vinte anos, o estado de conservação dos bairros municipais não tem nada a ver com o estado em que os mesmos se encontravam. Apesar dos atrasos, concluíram-se vários projetos habitacionais no âmbito do PER (não obstante a persistência em modelos de grande densidade e, muitas vezes, com má qualidade de construção). Melhorou-se a eficácia da intervenção na reabilitação das casas e na sua entrega a novos inquilinos municipais. Estabeleceram-se regras (apesar de discordarmos de grande parte do seu conteúdo e da sua filosofia) que tornaram mais transparente o processo de atribuição de casas. Introduziu-se alguma humanização no atendimento aos munícipes. Desenvolveram-se interessantes, mas insuficientes, programas sociais. Alargaram-se mecanismos de apoio social a arrendatários com menores posses económicas.

Mas, infelizmente, o problema da habitação na cidade tem crescido a um ritmo superior ao da melhoria da resposta municipal. E não são os eleitos da CDU a quererem pintar de negro esta situação: são os dados objetivos que o mostram em todo o seu dramatismo. Atentemos, em particular, nos dados do Observatório de Habitação Social do Município do Porto – velha reivindicação da CDU que tão tarde viu a luz do dia… Entre 2018 e 2019, 2262 famílias, o que equivale a cerca de cinco mil Portuenses, dirigiram-se à Domus Social solicitando a atribuição de uma habitação municipal (ou seja, mais de mil famílias por ano). Destas, apenas foram aprovadas 677 candidaturas, valor semelhante ao número de fogos atribuídos no mesmo período – ou seja, manteve-se inalterável a dimensão da lista de espera e não foi dada resposta a 1585 famílias! Os rendimentos médios destes agregados familiares é de 645,48€, sendo o rendimento per capita de 292,25€! E, cerca de 50% destes Portuenses vivem dos seus salários e reformas, numa demonstração, crua, de que, em Portugal, se empobrece a trabalhar! Com o dramatismo de sabermos que 27% dos membros dos agregados que solicitam habitação social têm menos de 15 anos – que futuro se reserva para estas crianças e jovens que vivem sem o direito a uma habitação digna?…

Analisando os dados dos últimos quatro anos do Programa Porto Solidário, constatamos que 1626 famílias fizeram pelo menos um pedido de apoio, sendo que 587 o fizeram em mais do que um ano. A média do rendimento destes agregados variou entre 494 e 556 euros, de uma forma progressiva de ano para ano, numa demonstração de que, apesar do aumento dos rendimentos, o valor das rendas se torna cada vez mais incomportável.

  1. O PORTO PRECISA DE MAIS HABITAÇÃO SOCIAL E COMPETE AO GOVERNO FINANCIAR A SUA CONSTRUÇÃO

Estes números mostram, claramente, que há um conjunto significativo de famílias (o levantamento efetuado pelo Município aponta para mais de 3.000 mas estimamos que esse valor seja superior) que necessitam, quer pela degradação das habitações onde vivem, quer pelos parcos rendimentos de que usufruem, de uma habitação cuja renda só podem pagar se a mesma for apoiada, ou seja, com valores proporcionais aos seus rendimentos. Sim, o Porto precisa de mais habitação social! E esta é uma diferença que nos separa daqueles que consideram que no Porto há habitação social a mais e que esta não deve ser uma prioridade. Refira-se, a propósito, que uma resolução aprovada pelo Parlamento Europeu há dez dias, aponta para esta necessidade, considerando inaceitável que o investimento dos governos em habitação social corresponda a apenas 0,66% do PIB europeu.

A constatação desta necessidade não nos afasta do princípio de que compete ao Estado, por intermédio da Administração Central, investir para garantir o direito constitucional do acesso à habitação. Mas, infelizmente, depois do PER que permitiu construir milhares de habitações no Porto, erradicando as barracas existentes, e depois do PROHABITA que permitiu requalificar a generalidade dos bairros portuenses, levamos mais de dez anos sem investimento governamental em habitação, apesar dos sucessivos anúncios de programas e de medidas que em nada contribuíram para a resolução do problema.

Tivemos, agora, a subscrição, por parte da Câmara (sem que disso tenha sido dada informação substancial a esta Assembleia) de um Acordo de Colaboração com o IHRU, no âmbito do Programa 1º Direito e na sequência da elaboração da Estratégia Local de Habitação. Um acordo que prevê um investimento de 56 milhões de euros a seis anos (25 do IHRU a fundo perdido, 21 através de um empréstimo bonificado de longo prazo, e 10 de fundos municipais). Um acordo em si positivo que representa o regresso de programas de financiamento da Administração Central para a habitação social. Mas o que se lamenta é que, mais de um ano passado sobre a aprovação da estratégia local de habitação e três meses e meio decorridos sobre a aprovação deste acordo, a Câmara Municipal do Porto ainda não tenha definido, pelo menos com conhecimento dos órgãos autárquicos, a forma de o operacionalizar, identificando as medidas concretas a implementar em cada uma das modalidades previstas. Situação que resulta, também, da inexistência de uma Carta Municipal de Habitação (cuja elaboração propusemos aqui em setembro de 2019) que, para além do diagnóstico, estabeleça prioridades e planos operacionais.

Em particular, a CDU considera que definir como objetivo a construção, até 2025, de apenas 200 novos fogos sociais (40 por ano) é manifestamente insuficiente e até escandaloso, face às necessidades. Por outro lado, a modalidade de arrendamento de habitações para subarrendamento (75 fogos) é um objetivo que manifestamente está prejudicado pelo Programa Porto com Sentido que, com o mesmo objetivo, estabeleceu a disponibilidade da Câmara para pagar elevados valores de rendas para fogos do Porto, tornando incomportável o seu subarrendamento com rendas sociais (ou pondo em causa o cálculo dos apoios dados no âmbito do Porto Solidário).E, dado que o Acordo prevê intervenções de senhorios (que muitas vezes são também inquilinos) para a reabilitação das suas casas, a Câmara deve, desde já, criar um gabinete que os apoie a instruir as suas candidaturas e que desburocratize o processo de aprovação dos respetivos projetos.

Ao mesmo tempo, dizemos ao Governo que estas verbas agora disponibilizadas são escassas face à dimensão do problema. Pelo que não aceitamos que o respetivo orçamento, bem como o orçamento que vier a ser aprovado no previsto acordo a celebrar entre o IHRU e a Porto Vivo, SRU, tenham origem no chamado Plano de Recuperação e Resiliência. Cujas verbas adicionais previstas para a habitação (1251 milhões) devem ser rapidamente operacionalizadas para dar resposta atempada aos problemas que já existem e que tendem a agravar-se com a crise económica e social resultante da pandemia.

  1. OS RECURSOS PÚBLICOS DEVEM SERVIR, PRIORITARIAMENTE, PARA ATRIBUIR HABITAÇÕES DIGNAS AOS PORTUENSES MAIS DESFAVORECIDOS

Temos consciência que, no Porto, há décadas, há um problema que passa pelo afastamento entre os rendimentos das famílias e o valor das rendas habitacionais. Uma situação que tem contribuído decisivamente para a preocupante perda populacional da cidade. Chamamos sucessivamente a atenção para este problema, apelando à Câmara para exercer uma função atenuadora do problema, seja pela colocação do seu próprio património no mercado a valores justos, seja pelo estabelecimento de parcerias com o setor cooperativo que ajudasse a controlar custos. Infelizmente, e levando à prática a sua visão liberal da economia, a maioria camarária inebriou-se com o boom turístico que aqueceu especulativamente o valor da habitação no Porto, levando à expulsão de centenas de moradores, mais desfavorecidos economicamente, não atuando (veja-se a inexistência de regulamento para o alojamento local). Situação agravada pela entrada em vigor da chamada Lei Cristas, ou lei dos despejos, que facilitou este processo de expulsão de moradores. E que agora, face ao problema que deixou crescer, procura remediar canalizando para projetos de renda dita acessível (e que todos sabemos ser inacessível, nos termos que o governo propôs, para a maioria das famílias da chamada classe média) esforços, meios financeiros e terrenos. Aquilo que tem faltado para a implementação de projetos para as famílias que, como refere o acordo que assinou com o IHRU, “vivem em condições habitacionais indignas”. Por isso a CDU reafirma que os meios públicos, municipais ou centrais, devem ser prioritariamente canalizados para projetos de renda apoiada. Não aceitando que se diga que há escassez de terrenos municipais para esse fim, ao mesmo tempo que se disponibilizam terrenos para projetos de renda “acessível” (com forte componente especulativa), ou para a sede da Liga Portuguesa de Futebol, ou se pensa excluir habitações de renda apoiada do antigo parque da STCP em S. Roque.

  1. A CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO PODE E DEVE FAZER MAIS PARA MELHORAR AS CONDIÇÕES DE HABITAÇÃO DOS PORTUENSES

Referi, no início, que ao longo destes 20 anos muitas coisas positivas foram feitas em matéria de habitação. Mas também é verdade que se cometeram muitos erros e se pecou por muita inação ou falta de energia na resolução de muitos outros.

A venda avulsa de habitações municipais aos seus inquilinos; a demolição desnecessária de bairros sem se acautelar a sua substituição; o processo do Aleixo em que a componente fundamental foi a especulação imobiliária e não o direito a habitação digna; a incapacidade de investir na requalificação dos espaços envolventes aos bairros municipais; a falta de aposta em programas, sistemáticos e integrados, de intervenção social, com componentes culturais, desportivas e recreativas nos bairros, procurando envolver os seus moradores; a definição de regras de acesso à habitação municipal que mais parecem numerus clausus do que regras sociais; a incapacidade de reabilitar habitações, designadamente do chamado “Património”, muitas devolutas há anos e a degradarem-se.

Ao convocarmos esta sessão extraordinária da Assembleia Municipal do Porto, e é a quarta vez que o assunto da Habitação é aqui discutido em várias das suas vertentes, queremos contribuir, mais uma vez, para a resolução do problema. Acreditando que, pondo o dedo na ferida, fazemos com que não se esqueça que o problema existe. E apresentando propostas concretas que, concorde-se ou não com o seu conteúdo, resultam do conhecimento adquirido, num trabalho ímpar que devia ser valorizado e aproveitado pela maioria municipal, no contacto com as populações nos locais onde estas vivem e no gabinete de atendimento municipal que é uma referência autárquica.

Vivemos, hoje, um momento fundamental. Por um lado, não tenhamos dúvidas que a pandemia vai produzir uma crise económica e social que levará ao agravamento do já grave problema habitacional do Porto, com muitas famílias a engrossarem o rol daquelas que precisam de apoio municipal para viverem com condições habitacionais mínimas. Por outro, porque, finalmente, parece ver-se luz na existência de apoios efetivos (e não apenas de propaganda) por parte do governo para a habitação social. E ainda porque, no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência, estão inscritas importantes verbas para habitação social.

O que aumenta a nossa responsabilidade. De tomarmos decisões políticas certas quanto à forma como investiremos estes dinheiros públicos. E de as tomarmos com a celeridade que a gravidade da situação exige.

Esperamos, com sinceridade e humildade democrática, que esta Assembleia contribua para estes dois objetivos.

Porto, 1 de fevereiro de 2021

O Grupo Municipal da CDU – Coligação Democrática Unitária

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