CDU na Assembleia Municipal: Habitação, Transportes e Acção Social

INTERVENÇÃO DA CDU NO PERÍODO DE INFORMAÇÃO TRIMESTRAL DO SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO


Gostaria de, nesta intervenção, abordar algumas questões sobre a atividade municipal e colocar algumas questões:

  1. PROGRAMA APOIAR PARA (RE)INSERIR

Todos conhecemos a situação de Paula, uma cidadã do Porto que residia, com os seus filhos menores, no bairro do Lagarteiro e que cumpriu uma pena de prisão durante vários anos. Cidadã que, por diversas questões que já aqui tivemos oportunidade de abordar, foi despejada da sua habitação municipal pouco antes de ser libertada – situação socialmente dramática até porque é conhecido o sucesso do processo de reabilitação de Paula – processo que importa consolidar e no qual uma habitação condigna assume um papel fundamental.

Em resposta a esta situação, a Câmara Municipal do Porto aprovou, no dia 19 de fevereiro, a criação do programa “Apoiar para (Re)Inserir” que, resumidamente, se traduz numa parceria do Município com a Santa Casa da Misericórdia e a Direção-Geral de Reinserção Social, com vista à disponibilização, pelo Município de 5 habitações de transição para alojamento de cidadãos na mesma situação de Paula, e que, a título excecional poderão requerer uma nova habitação municipal.

Acontece que já passaram mais de quatro meses sobre esta aprovação, Paula saiu em liberdade definitiva no dia 7 de maio, está a trabalhar numa IPSS mas continua sem casa, vivendo, por caridade, numa parte de casa com os seus filhos – situação que, além de sere indigna, em nada ajuda o seu processo de reinserção social.

Coloco assim a questão de saber qual o ponto da situação da implementação deste Programa, com a certeza de que quatro meses são tempo demasiado para quem vive nestas condições. E que, depois do Estado ter conseguido cumprir o seu objetivo de reabilitar socialmente quem cumpre pena de prisão (e sabemos todos que a taxa de sucesso não é, infelizmente, a desejável), não é admissível que, depois desse esforço, assistamos, por burocracia e/ou incúria, ao falhanço da criação de condições que possibilitem a assunção plena dessa reinserção.

  1. STCP PREJUDICADA, À MARGEM DA LEI, POR OPERADORES PRIVADOS

O Decreto-Lei 379/98 consagra no seu Artigo 1º que:

“1 – A Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, S. A., mantém o direito ao exclusivo da exploração de qualquer tipo de transporte público colectivo na área da cidade do Porto, de que era titular o Serviço de Transportes Colectivos do Porto.

2 – Fora da cidade do Porto, a STCP, S. A., mantém o direito à exploração, por qualquer modo de transporte, de todas as carreiras inicialmente exploradas pelo Serviço de Transportes Colectivos do Porto, em modo troleicarro ou carro eléctrico, ao abrigo do Decreto-Lei nº 40744, de 27 de Agosto de 1956, à data da transformação em sociedade anónima.”

Significa isto que, no plano legal, nas zonas da rede Andante da cidade do Porto (C1, C2 e C6) só a STCP pode fazer serviço de recolha e largada de passageiros. Os restantes operadores privados podem fazer serviço de recolha de passageiros caso se desloquem para fora da cidade do Porto; ou fazer largada de passageiros apenas se estes entraram num concelho exterior ao Porto.

No entanto, a verdade tem sido diferente do estipulado legalmente. Os operadores privados, violando a lei, fazem serviço em zona exclusiva da STCP e alteram os seus horários e percursos de forma deliberada para se sobreporem aos serviços da STCP.

Há um contexto de concorrência desleal, com os privados a «canibalizarem» o serviço da STCP em percursos e horários de maior procura, deixando a descoberto zonas e períodos do dia menos «lucrativos».

Esta ilegalidade não é recente e tem sido alvo de protesto, denúncia e acção por parte dos trabalhadores e, em particular, da Comissão de Trabalhadores da empresa.

Atualmente, através da validação dos títulos de transporte, é possível saber o número de validações feitas em cada operador nas zonas exclusivas da STCP. Os dados destas validações relativas ao ano de 2018 confirmam números elevadíssimos dos operadores privados dentro da cidade do Porto

Da leitura de dados da Área Metropolitana relativos da 2018, antes da entrada em vigor do Passe Único (medida que aumentou o número de utentes), rápido se conclui que mais de meio milhão de euros foram apenas nesse ano entregues aos privados e que poderiam e deveriam ser da STCP.

Este problema foi já sinalizado em documentos oficiais da empresa em anos anteriores. No entanto, pouco ou nada parece ter sido feito até ao momento!

É, portanto, justo que se questione e peça responsabilidades sobre as centenas de milhares de euros, ou mais, canalizadas para os privados por serviços que ilegalmente realizaram.

Qual o papel do Conselho de Administração da STCP sobre neste assunto? E as seis autarquias que têm responsabilidade na STCP? E do governo?

O Sr. Presidente da Câmara do Porto reclama a municipalização integral da empresa, mas parece ignorar esta situação.

O que é que o Presidente da Câmara pensa disto? Que tem feito considerando o peso da autarquia na gestão presente e futura da empresa? Está de acordo com a posição, defendida pelo PCP, de que deve ser suspenso o envio de receitas para os operadores privados relativas a serviços que realizam à margem da Lei?

(VER, EM ANEXO, MAPA COM VALORES)

  1. NECESSIDADE DE UM PROGRAMA SOCIAL INTEGRADO NOS BAIRROS MUNICIPAIS

É hoje evidente, como a CDU sempre referiu, que a demolição do bairro do Aleixo fez com que o problema do tráfico de droga que existia neste bairro se transferisse para outros bairros – mais uma demonstração de que o projeto de demolição do bairro nada tinha que ver com o combate ao tráfico de droga..

Como parece também evidente que o negócio está distribuído pelas zonas Oriental (com epicentro no bairro do Cerco), Central (designadamente na Sé) e Ocidental, o tráfico que, nesta zona, se fazia no Aleixo passou para os bairros próximos da freguesia de Lordelo do Ouro, onde existe a maior concentração de bairros municipais da cidade: Pinheiro Torres, Lordelo, Pasteleira velha, Pasteleira Nova e Mouteira.

Esta situação, que era previsível, coloca novamente em cima da mesa uma proposta que a CDU tem vindo a fazer há décadas: a necessidade de implementação de um verdadeiro Programa de intervenção social nos bairros municipais. Programa esse que tenha como objetivo envolver as populações, grande parte das quais muito desfavorecidas economicamente e socialmente estigmatizadas, com a participação das suas associações e coletividades e com a constituição de equipas pluridisciplinares municipais, desde assistentes sociais a animadores desportivos e culturais. Política essa que tem de ser acompanhada pelo tratamento e requalificação dos espaços envolventes dos bairros, bem como pela construção ou recuperação dos equipamentos coletivos (ringues, parques infantis e/ou outros). Em conjunto com o necessário reforço do policiamento de proximidade.

Temos, no Porto, exemplos de sucesso no envolvimento das populações na vida dos bairros, como, por exemplo, o processo de atribuição de habitações do bairro de Santa Luzia no início da década de 90, ou o processo de alienação das habitações aos moradores, como aconteceu no início deste século com o bairro Central de Francos. E temos os erros crassos que se traduziram, por exemplo, na política implementada pelo Dr. Paulo Morais, de retirada de todos os Assistentes Sociais municipais dos bairros, com o argumento de que o pelouro da habitação tratava, apenas, do edificado. Ou com a venda isolada de habitações em diversos bairros, como aconteceu, por exemplo, com o bairro do Bom Sucesso.

E temos o exemplo, na primeira metade da década de 80, em que a criação de um pelouro dos equipamentos culturais e desportivos dos bairros municipais permitiu transformar, para melhor, a vivência nestes espaços.

Não podemos, assim, deixar que se repita, nos referidos bairros de Lordelo, aquilo que a Câmara deixou que acontecesse no Aleixo, sendo certo que quem mais sofreu as consequências deste desleixo e inação municipal foi a esmagadora maioria dos moradores que nada tem que ver com o tráfico de droga e que perderam o direito à habitação e ao lugar.

Está chegada a altura de preparar o Orçamento municipal para 2020. Pela parte da CDU consideramos fundamental que esse documento consagre este plano de intervenção, sendo que, atualmente, nem as questões de condicionamento orçamental se colocam. Ficaremos atentos a essa inscrição, e, como sempre, disponíveis para colaborar na sua construção.

  1. HABITAÇÃO PARA A “CLASSE MÉDIA” NO PORTO

Temos assistido a sucessivas apresentações de propostas de projetos de construção de fogos de renda acessível por parte da Câmara – num modelo a que já nos habituou de muita pompa na apresentação de ideias, que surgem travestidos de projetos, mas que tem prazos de conclusão previstos para lá deste mandato autárquico.

Gostaria de referir que a legislação publicada pelo Governo em matéria de renda acessível, designadamente num tempo em que se procura fechar a lei de bases da habitação, nos parece incorreto. Mas a incorreção transforma-se num erro inadmissível quando o governo considera rendas acessíveis valores que, no Porto, podem chegar aos 525€ (T0), 775€ (T1) ou 1.000€ (T2)

É que estes valores não são acessíveis para a maioria dos Portuenses (e muito menos para aqueles a quem estas habitações se destinariam – a chamada classe média). E, pior do que isso, estes valores servem para inflacionar ainda mais os valores de arrendamento, dado que qualquer senhorio, sabendo o valor de referência que o Governo apresenta para o que considera como renda “acessível”, facilmente lhe acresce um valor.

Na última sessão da Assembleia Municipal, o Senhor Presidente referiu que as três ideias de aglomerados de habitação de rendas “acessíveis” correspondiam a três modelos distintos: privado, semi privado e público. Pela nossa parte gostaríamos que a Assembleia Municipal fosse parte da discussão destes modelos que, na nossa opinião, não se devem circunscrever às propostas embrionariamente apresentadas – até porque há outros modelos que devem ser tidos em consideração, sendo que no Porto, hoje, muitas famílias da classe média vivem em habitações construídas pelo movimento cooperativo – que conseguiu, por exemplo, que na década de oitenta fosse Aldoar a única freguesia a ganhar população no Porto.

Lançamos, assim, o desafio às diversas forças políticas para que possamos discutir as políticas de habitação para as chamadas classes médias do Porto.

Mas desde já manifestamos, também, que não concordamos que, a coberto da construção de habitações de renda acessível, se coloque em cima da mesa, como o Senhor Vereador do Urbanismo tem feito, qualquer necessidade de aumentar os índices de capacidade construtiva no Porto. O argumento de que quanto maior for a capacidade construtiva, mais baratos ficarão os custos da construção e, consequentemente, da venda, podem parecer lógicos e simpáticos. Mas esquecem o sistema económico em que vivemos. E, na verdade, já tivemos, no Porto, índices de construção mais elevados e os preços não baixaram e, infelizmente, também não foi invertida a sangria populacional.

Ao mesmo tempo que isto acontece, constatamos que a maioria na Câmara Municipal do Porto, relativamente à proliferação do alojamento local e aos inúmeros casos de expulsão, muitas vezes de forma violenta, de moradores das suas casas, particularmente no centro, na verdade nada faz, limitando-se a assistir, no mínimo com benevolência, a esta situação.

Passado quase um ano da publicação de legislação que deu aos Municípios a capacidade de intervir em matéria de regulação do alojamento local, a Câmara do Porto encomendou um estudo que demorou mais de meio ano a mostrar-nos o que já sabíamos. E, conhecido o estudo, pensava-se que já teria uma proposta, mesmo que com cenários, para regular a situação. Mas não! Limitou-se a dar inicio aos procedimentos tendentes à elaboração de um regulamento! Mais uma medida que, na verdade, procura adiar intervenções, esperando que, quando estiver pronto já não seja necessário porque a galinha dos ovos de ouro secou…

Seria mais correto, porque verdadeiro, que o Senhor Presidente da Câmara assumisse que, de facto, é a favor da proliferação do alojamento local, que não se importa que os turistas substituam os moradores, que o mercado é soberano e que as suas regras o auto-regulam. Pouparíamos dinheiro ao Município e saberíamos com o que contar. Seguir a velha máxima de fazer alguma coisa para que tudo fique na mesma é que não nos parece admissível!…

Porto, 25 de junho de 2019

O Grupo Municipal da CDU – Coligação Democrática Unitária

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