Claustrofobia Democrática: Intervenção de Rui Sá na Reunião da Câmara do Porto

 

Exº Senhor Presidente,

Exªs e Exºs Vereadores,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Na sequência da leitura, pelos jornais, da notícia de que a Área Metropolitana do Porto tinha apresentado uma candidatura para a requalificação da Estrada da Circunvalação (onde se descreviam várias acções que envolviam o território da Cidade que está sob a jurisdição do Município – casos de Aldoar, Ramalde, Paranhos e Campanhã), solicitei ao Sr. Presidente, ao abrigo das disposições legais, o agendamento, para esta reunião, de um ponto de “Apreciação dos projectos urbanísticos que serviram de base às candidaturas apresentadas ao QREN pela Junta Metropolitana do Porto para a reabilitação da estrada da Circunvalação”.

Teve o Senhor Presidente a amabilidade de me responder informando-me, resumidamente que, tendo sido a candidatura apresentada pela Junta Metropolitana do Porto, deveria a CDU, através dos seus Deputados Metropolitanos, pedir essa informação.

Gostaria, aqui, de manifestar a minha completa discordância com este princípio que, objectivamente, limita os meus direitos de Vereador da Câmara Municipal do Porto.

De facto, o que está aqui em causa é o planeamento e a organização do território da Cidade do Porto. E a competência de planear e organizar o território do Município pertence aos seus órgãos autárquicos. Porque, pela leitura da notícia (que resulta de uma “fuga de informação” naturalmente controlada), verificámos que a candidatura não abrange, apenas, o território da Circunvalação (cuja jurisdição ainda pertence, absurdamente, à Estradas de Portugal), mas também território que está sob a jurisdição do Município do Porto.

Mas, mesmo que tal não acontecesse, creio que é do mais elementar bom senso que uma modificação tão importante na via de fronteira do Porto com os Municípios de Matosinhos, Maia e Gondomar deveria ter sido objecto de apreciação prévia por parte da Câmara Municipal do Porto, permitindo responsabilizar os seus eleitos pelas propostas apresentadas e fomentar a discussão de pontos de vista e de filosofias de reabilitação daquela artéria.

O que está então em causa é uma concepção de funcionamento errada da Câmara Municipal do Porto, em que o seu Presidente, opositor que é ao actual modelo de funcionamento das autarquias, procura, pela prática, centrar a discussão dos grandes problemas da cidade nos Vereadores com funções executivas – discussão essa que não tem qualquer conteúdo, como se pode ver pelo posicionamento acrítico que esses senhores Vereadores têm demonstrado relativamente aos assuntos cuja competência não lhes tenha sido directamente delegada pelo Senhor Presidente.

Mas esta prática do Dr. Rui Rio também corresponde a uma concepção errada da filosofia subjacente ao funcionamento do Poder Local Democrático, que procura, através da participação de representantes de diversas forças políticas no órgão executivo, fomentar a troca de ideias e o confronto de projectos sufragados pelas Populações, na expectativa que desse debate democrático resultem melhores projectos e melhores políticas para os Municípios e os Munícipes.

Naturalmente que faço estas afirmações não tendo, apenas, em consideração este episódio relativo à Circunvalação. Tenho em conta, isso sim, a sequência de episódios que se têm repetido ao longo destes anos.

O projecto da Avenida dos Aliados e das Praças Humberto Delgado e da Praça da Liberdade, à semelhança do que aconteceu com os projectos de reabilitação urbana promovidos no âmbito da Porto 2001, devia ter sido objecto de apreciação e votação por parte da Câmara Municipal do Porto – mas não o foi.

Os Vereadores eleitos pela População da Cidade do Porto assistem pelos jornais ao anúncio de projectos de requalificação de quarteirões do Centro Histórico (o mais recente foi o designado quarteirão de Martins Alho), sem o apreciarem, votarem e, tão pouco, conhecerem.

Lê-se na comunicação social ou pela intervenção de membros do Governo que estão em análise diversas alternativas para a entrada e atravessamento da Cidade do Porto por parte do TGV. A Câmara, como órgão autárquico colegial, desconhece essas alternativas e a única coisa que ouviu da boca do seu Vereador do Urbanismo foi que esse projecto poderia influenciar a concepção do Parque Oriental.

Tem-se conhecimento, através da resposta do Governo a um Requerimento apresentado por um Deputado do PCP na Assembleia da República, que a Câmara Municipal do Porto está a negociar com a Estradas de Portugal a reabilitação da designada “Via Rápida”. Quais são os projectos que os representantes do Município estão a defender? Os Vereadores desconhecem-nos.

Ao nível do Metro do Porto estão em discussão, entre outras alternativas e questões de fundo naturalmente importantes, duas opções (pelo menos em termos de prazos de execução), para ligações à zona ocidental da Cidade. Era importante que a análise dessas propostas fosse feita pela Câmara, dando a oportunidade aos Técnicos que as defendem de poderem expor, perante os responsáveis eleitos do Porto, as suas opções técnicas. Apesar da minha proposta nesse sentido, isso (ainda, espero eu…) não foi feito.

Foi criada, no âmbito da discussão pública do Plano de Pormenor das Antas, uma associação, da qual o Município do Porto é associado, para gerir importantes verbas destinadas à revitalização do comércio tradicional. É do domínio público que as divergências entre os membros do outro associado puseram a nu um conjunto de actos susceptíveis de porem em causa a legalidade (ou pelo menos a ética) dos actos cometidos por esta associação. Os Vereadores pedem para analisar a situação, e tal direito é-lhes vedado, remetendo informações para a esfera dessa mesma associação.

A Fundação Porto Social é várias vezes questionada nas reuniões da Câmara e, em particular, é questionada a forma como património que lhe foi cedido pelo Município é transferido para a gestão de outra instituição. Os Vereadores que questionam esta situação são convidados a visitarem a sede dessa Fundação (que, como se sabe, vive exclusivamente à custa de dinheiros públicos transferidos pelo Município do Porto), sem que a Vereadora que preside ao seu Conselho de Administração compreenda que é sua obrigação democrática apresentar contas da actividade desenvolvida ao órgão Câmara Municipal do Porto.

Quando os Vereadores solicitam informações, ao abrigo das disposições legais, as mesmas só são fornecidas se tal interessar à maioria e quando a maioria entende útil o seu fornecimento.

As reuniões, quinzenais, são, muitas vezes, como é o caso de hoje, agendadas com diversos pontos de primordial importância, procurando limitar o debate democrático dos assuntos e filtrar a divulgação pública da mensagem que a maioria pretende passar.

Quando os Vereadores, ao abrigo das prorrogativas legais, procuram convocar reuniões para discutir politicamente assuntos que consideram importantes (como foi o caso do encerramento da cantina do edifício dos Paços do Concelho), a maioria contorna a lei, faltando às reuniões e provocando a falta de quórum, sabendo-se que a aceitação, ou não, das faltas é uma competência do Presidente, também ele faltoso e orquestrador deste atropelo ao debate democrático e portanto cúmplice na justificação de faltas independentemente da pertinência das razões apresentadas.

A maioria absoluta, em Democracia, deveria levar a uma maior tolerância da parte dos seus detentores, na medida em que lhe dá o conforto de controlar, em último recurso, as decisões. Ou, com Rui Rio, e como sempre previ, a maioria absoluta traduz-se num empobrecimento desse mesmo debate democrático, substituído pela arrogância do “quero, posso e mando” e pelo desprezo das opiniões dos outros eleitos.

É pena. Principalmente, pelo desperdício das potencialidades que o debate democrático em torno das grandes opções de Cidade poderia dar para o enriquecimento das políticas a implementar.

Compreende-se, assim, as razões pelas quais o Dr. Paulo Rangel, um dos mentores iniciais do Dr. Rui Rio, deixou de ser visto nas proximidades da Câmara Municipal do Porto. Alguém que se incomoda com o clima de “claustrofobia democrática” que se vive no País não pode ser cúmplice da “claustrofobia democrática” que se vive no Município do Porto.

 Porto, 18 de Novembro de 2008

 O Vereador da CDU – Coligação Democrática Unitária

(Rui Sá)

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