“Novo paradigma de limpeza” = Mais privatizações, destruição de competências e agravamento de custos

No início de março de 2015, a CDU – Coligação Democrática Unitária, ciente de que se aproximava o fim do período da concessão que vigora da limpeza de 50% da área do Porto e de que a mesma tinha registado, consecutivamente, custos mais elevados para o Município do que os inicialmente “previstos”, confrontou a coligação Rui Moreira/CDS/PS com a urgência de:

  • Distribuir com celeridade a todos os eleitos municipais uma informação rigorosa e atualizada sobre os prazos, custos e detalhes dos serviços prestados no âmbito das concessões da recolha do lixo e limpeza pública em vigor.

  • Proceder ao estudo das medidas que são necessárias assumir tendo em vista a remunicipalização dos serviços de recolha do lixo e limpeza pública.

  • Agendar a discussão desta matéria em sede de Câmara e Assembleia Municipal do Porto até ao final do próximo mês de abril.”

Este desafio não foi aceite, ficando evidente que a coligação Rui Moreira/CDS/PS pretendia aparecer com uma opção fechada e “inevitável” que prosseguisse e aprofundasse o caminho da privatização da limpeza.

O que se comprova agora, com a apresentação de uma proposta a discutir na reunião da Câmara Municipal do Porto de amanhã e que, a ser aprovada, levará à abertura de um concurso para a concessão da recolha e transporte de resíduos indiferenciados e a limpeza do espaço público da totalidade do concelho – mantendo-se apenas sob responsabilidade municipal a recolha seletiva multimaterial (vulgo “recicláveis”), com a agravante de, na mesma reunião, ser votada a proposta para a constituição de uma empresa municipal que assumirá a “gestão de resíduos urbanos e limpeza pública”.

A CDU considera que estas propostas são extremamente gravosas para a cidade do Porto e para a sua população, baseando esta posição não em qualquer preconceito ideológico mas sim na constatação daquilo que tem sido a experiência dos últimos anos, quer na Município do Porto quer em muitas outras autarquias.

A CONCESSÃO DA LIMPEZA EM 50% DA ÁREA DA CIDADE TRANSFORMOU-SE NUM SORVEDOURO DE DINHEIROS PÚBLICOS

Como sistematicamente a CDU tem vindo a denunciar, a concessão da limpeza em 50% da área da cidade transformou-se num sorvedouro de dinheiros públicos que ultrapassaram, em muito, os valores anunciados em termos de valor base do concurso público e os próprios valores adjudicados.

De facto, nos termos da proposta então aprovada por PSD/CDS e PS, a concessão da recolha de resíduos sólidos e limpeza urbana iriam custar, por ano, 5,7 milhões €, sendo que a despesas total estimada, pelo período de 8 anos era 45,6 milhões €. Estes valores iriam corresponder a “padrões de maior qualidade no serviço (…) e também obter uma considerável poupança…”, segundo a proposta.

No entanto, e efetivamente, os valores pagos pelo erário público, segundo os Relatórios de Contas e Orçamentos da Câmara Municipal, foram bastante mais elevados:

 

VALORES CONCESSÃO EM VIGOR

PREVISTO

45,6 M€

ADJUDICADO

52,8 M€

PAGO

72 M€

 

Assim, pode-se verificar que os custos estimados na proposta que suportou a decisão de privatização foram largamente ultrapassados. Considerando os valores orçamentados para 2015 e 2016, caso estes sejam cabalmente executados, podemos inferir que se gastou com a concessão mais 26,4 milhões de euros do que inicialmente previsto e mais 19,2 milhões de euros face ao adjudicado.

Esta escandalosa situação, que se traduziu numa inadmissível má gestão dos dinheiros públicos, deveria merecer uma atenção especial por parte do Município, razão que levou a CDU a solicitar a realização de uma auditoria. Proposta que não obteve o acolhimento de Rui Moreira que, mais uma vez, preferiu os compromissos assumidos com o seu antecessor e patrocinador da sua candidatura, Rui Rio, ao interesse público.

Face a esta situação, é no mínimo estranho que, agora, a coligação Rui Moreira/CDS/PS venha apresentar uma proposta para a concessão da limpeza na totalidade da cidade por um valor base de cerca de 10 milhões de euros/ano – ou seja, por um valor muito próximo daquele que tem pago anualmente por 50% da área da cidade (embora incluindo os recicláveis).

Mais estranho se torna esta proposta quando é sabido que, no mandato anterior, a coligação PSD/CDS procurou alargar a limpeza da cidade, processo que abandonou por considerar que os valores apresentados pelos concorrentes eram demasiado elevados.

A forma como a nova proposta é apresentada, bem ao jeito de publicidade enganosa, parece um remake dos argumentos outrora apresentados pela anterior gestão PSD/CDS.

Estamos, assim, perante um valor base do concurso é deliberadamente desfasado da realidade e que mais não visa do que fazer crer que a privatização dos serviços de limpeza se traduzirá em vantagens para o Município que, depois e na prática, se transformarão na continuidade de um processo de sorvedouro dos dinheiros públicos que serão pagos pelos munícipes.

Não deixa, aliás, de ser sintomático, que o Vereador Filipe Araújo tenha vindo a público referir que a atual taxa de resíduos sólidos “apenas” cobre 70% dos custos, assumindo a intenção de proceder ao aumento dessa taxa para assegurar uma taxa de cobertura de 100%! Ou seja, para além do aumento de 11,2% (tarifa fixa) e de 17,6% (tarifa variável) na tarifa de resíduos sólidos verificado em 2016, os Portuenses serão brindados, nos próximos anos, com novos aumentos para pagar os lucros do(s) concessionário(s)…

A CONCESSÃO DA LIMPEZA NÃO RESPEITA OS TRABALHADORES E DESTRÓI COMPETÊNCIAS MUNICIPAIS

Com a atual proposta de concessão, a maioria dos trabalhadores municipais afetos à limpeza urbana deixarão de exercer essa função, dado que o serviço deixará, pura e simplesmente, de fazer parte das competências municipais e nem sequer está prevista a sua transferência para o(s) concessionário(s) – como aconteceu nos anteriores contratos de concessão.

Bem pode o Vereador Filipe Araújo, em declarações públicas, procurar escamotear esta situação, dizendo que os trabalhadores serão “aproveitados” noutras funções. A verdade, como já aconteceu no passado (com a privatização de parte dos serviços de limpeza e o desmantelamento das oficinas gerais), é que estes trabalhadores serão completamente desaproveitados (ver um chefe de oficinas a servir de porteiro ou chefes de limpeza em funções administrativas, como aconteceu, assim o demonstra), num inequívoco desrespeito por quem tanto deu à cidade e pela boa gestão dos recursos públicos. Com a agravante de, com a atual legislação, estes trabalhadores poderem ser colocados na disponibilidade, meio caminho andado para o seu despedimento.

De referir, ainda, que face às consequências que a aprovação destas propostas terá na estrutura municipal e na vida de centenas de funcionários municipais, é inadmissível que a coligação Rui Moreira/CDS/PS, ao arrepio da lei e na senda do desprezo que Rui Rio e a coligação PSD/CDS tinham pelos organismos representativos dos trabalhadores municipais, não tenha sujeito estas aprovações à consideração da Comissão de Trabalhadores e sindicatos para a emissão do respectivos pareceres – o que, na opinião da CDU, é condição para a retirada desta proposta.

Mas, para além de, a curto e médio prazo, esta solução se traduzir num péssimo negócio para o Município do Porto, a longo prazo as suas consequências serão ainda maiores. De facto, esta proposta corporiza a destruição das competências do Município do Porto em matéria de limpeza urbana – competência com décadas que representa um importantíssimo ativo do Município. Com a entrega, por 8 anos, da totalidade da limpeza a privados, isso significará desmantelar um serviço e abdicar dessas competências. O que significará que o Município “fica nas mãos do(s) concessionário(s)”, perdendo capacidade num eventual processo de reversão da concessão por incumprimento do concessionário e dificultando a remunicipalização do serviço no final do período da concessão.

MAIS UMA EMPRESA MUNICIPAL INJUSTIFICADA

A coligação Rui Moreira/CDS/PS propõe a criação de uma empresa municipal “cujo objeto seja a gestão de resíduos urbanos e limpeza pública”. Esta é mais uma proposta que se traduz numa incapacidade de lidar com os serviços municipais e que visa permitir “agilizar” a intervenção municipal, designadamente em matéria de contratação pública e de contratação e gestão de recursos humanos.

Apesar da fundamentação destas propostas se suportar em alegados “estudos” da FEUP e de uma entidade externa, na verdade, a coligação Rui Moreira/CDS/PS não os apresenta de forma a permitir aferir os seus pressupostos e fundamentos. Tal representa um completo desrespeito pelos eleitos municipais, pelas regras de transparência que devem presidir à gestão da causa pública e pelos princípios de funcionamento democrático dos órgãos autárquicos.

Nesse sentido, a não distribuição prévia dos ditos “estudos” é mais um motivo que reforça a exigência da CDU de retirada das propostas da reunião de Câmara de amanhã.

No entanto, e sem prejuízo de uma posterior posição mais fundamentada com base na leitura atenta desses “estudos”, a CDU alerta desde já que não lhe parece que a criação de uma empresa municipal nesta área cumpra o dever legal da sua sustentabilidade económica.

Face ao exposto, a CDU tudo fará para que estas propostas sejam retiradas da Agenda da próxima reunião da Câmara Municipal do Porto, manifestando desde já a sua oposição à privatização da limpeza na totalidade da cidade e apelando aos trabalhadores e à população para que se manifeste contra este negócio que tantos prejuízos causará ao Município e aos Portuenses.

Porto, 21 de março de 2016

A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto

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