Porto: a caminho do “Big Brother”?

Hoje entrou em aplicação no Porto um novo sistema de cobrança do estacionamento na via pública em resultado da recente privatização levada a cabo pela maioria Rui Moreira/CDS/PS, com o apoio do PSD. No passado dia 16 de Fevereiro o Presidente da Câmara e a Vereadora com o Pelouro da Mobilidade realizaram uma inaudita conferência de imprensa conjunta com a empresa concessionária para anunciar os moldes em que o sistema de cobrança funcionará.

A partir as declarações realizadas na conferência de imprensa referida, da análise do caderno de encargos da privatização e de notícias vindas a público, a CDU-Coligação Democrática Unitária chama a atenção para as seguintes questões:

  • O sistema de cobrança, promovido como “inovador” e “moderno”, deixa fundadas dúvidas acerca da salvaguarda da privacidade dos utilizadores. No Porto, doravante, os utilizadores passarão a ser forçados a fornecer os dados da matrícula da sua viatura sempre que estacionarem, permitindo o registo da sua circulação. Assim, os utilizadores passam a estar sob permanente monitorização, mesmo que não incorram em incumprimento no pagamento das taxas devidas. Por exemplo, um utilizador que às 9h estacione na Avenida dos Aliados, às 12h30 estacione na Avenida Rodrigues de Freitas, às 15h estacione na Avenida da Boavista e às 18h30 na Rua da Constituição, deixa o registo de circulação da sua viatura numa base de dados com segurança e acessos desconhecidos, com tudo o que daí possa decorrer, e que passa a ser gerido pela empresa concessionária.
    Não é claro qual o tratamento dado às informações recolhidas, quer dos utilizadores cumpridores, quer dos infractores. Fica por esclarecer, por exemplo, o que lhes sucede? Quem fiscaliza essa base de dados? Onde é guardada? Quem e de que forma a ela se acede? Quando são os dados eliminados? Segundo órgãos de comunicação social, citando a Comissão Nacional de Protecção de Dados, esta entidade ainda não se pronunciou acerca do sistema que a Câmara do Porto e a empresa concessionária pretendem implementar, o que adensa os motivos de preocupação.
    Constata-se, portanto, que o Porto será um potencial “Big Brother”, o que cria imensas dúvidas sobre o tratamento e reserva acerca dos dados dos utilizadores.

  • A afirmação de Rui Moreira que “o Porto será um laboratório de ensaio” para outras experiências das mesmas empresas noutras cidades, admitindo que quem vive e trabalha na cidade seja tratado como “rato de laboratório” para que a concessionária e seus parceiros se expandam, é profundamente condenável.

  • Fica aberta a possibilidade de colocar os agentes da Polícia Municipal ao serviço da cobrança da concessionária, desviando-os das funções prioritárias. Segundo foi afirmado pelo responsável da empresa concessionária – e é significativo que tenha sido o gestor da empresa privada a fazer esta afirmação! -, a fiscalização do estacionamento vai ser realizado com recurso à Polícia Municipal. Presentemente, de acordo com a lei, os agentes da concessionária, quando muito, têm competências limitadas na fiscalização e posterior penalização dos infractores. A forma encontrada de contornar esta questão passa por colocar os agentes da Polícia Municipal, que no caso da cidade do Porto são efectivos da PSP, a fazer este trabalho.
    Perante isto, Rui Moreira tem que explicar a incoerência entre afirmar repetidas vezes que a Polícia Municipal necessita de um reforço de agentes e meios para fazer face às suas funções e o facto de permitir agora que a Polícia Municipal passe a agir como mero auxiliar para a cobrança da concessionária.

  • À custa do utilizador, o novo sistema permite que o mesmo espaço de estacionamento alcance receitas de estacionamento muito superiores, ao não permitir que se “passe o talão” a outra pessoa, nem que o utilizador seja ressarcido. Por exemplo, se uma pessoa pagar 2 horas mas afinal precisar só de 30 minutos, fica sem hipótese de reaver o seu dinheiro, mas ninguém mais poderá usufruir desse tempo já pago, como actualmente é feito.

  • Não há qualquer limite máximo para o nº de lugares de estacionamento que serão cobrados no futuro. O caderno de encargos da privatização apenas estabelece o limite mínimo para o aumento dos lugares cobrados em 42%, num total de 6000. Conforme foi afirmado pela Vereadora com o Pelouro da Mobilidade, numa primeira fase, a concessionária vai operar sobre as áreas já cobradas. No entanto, seguir-se-ão processos de expansão que, segundo o caderno de encargos, podem implicar zonas residenciais da cidade e para os quais não existem quaisquer limites máximos estabelecidos.

  • Estas alterações à gestão do estacionamento na Via Pública verificam-se sem que haja uma estratégia mais abrangente de Mobilidade. Para além de considerações generalistas, nada de concreto é dito sobre a promoção dos transportes públicos, sobre melhorias no tráfego, acerca do estímulo ao uso de veículos alternativos, como a bicicleta, ou até a circulação pedonal, confirmando este processo como uma clara tentativa de transformar uma ferramenta de gestão da mobilidade – o estacionamento – num simples negócio. Lucrativo e nebuloso.

Assim, perante e na sequência dos aspectos referidos, a CDU vai alertar a Comissão Nacional de Protecção de Dados e irá solicitar esclarecimentos fundamentados ao Presidente da Câmara do Porto.

Porto, 1 Março 2016

A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto

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