Sobre o “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto” apresentado pela Coligação PSD/CDS

A CDU – Coligação Democrática Unitária tem vindo a reivindicar, há mais de uma dúzia de anos, o estabelecimento de um “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto”, que estabeleça, com transparência e equidade social, as regras de atribuição de habitações municipais e de gestão e manutenção das mesmas, ao mesmo tempo que defina os direitos e os deveres dos inquilinos municipais e do seu senhorio – a Câmara Municipal do Porto.

Esta proposta da CDU surgia enquadrada no desafio feito a todas as forças políticas representadas na Câmara Municipal do Porto no sentido de se gerar um consenso alargado que permitisse estabelecer uma estratégia de longo prazo para a área da habitação municipal – desafio esse que se fundamentava na consciência de que o problema habitacional era o mais grave problema da cidade do Porto e origem de muitos outros, de que a brutal perda de habitantes é um dos reflexos.

A esta reivindicação, a coligação PSD/CDS sempre fez “ouvidos de mercador”, gerindo o património municipal de uma forma casuística, não cumprindo as regras que ela própria definiu, como foram os casos, por exemplo, do desrespeito pela regra do aumento máximo de 6€/mês em cada ano no valor das rendas municipais (aquando da adoção do Regime da Renda Apoiada em todos os bairros municipais do Porto), ou da venda, isolada, de habitações municipais em blocos onde não se cumpriu a percentagem mínima de 80% de interessados na sua aquisição.

Ao mesmo tempo que desenvolveu uma política de destruição da oferta municipal de habitação (que, com a coligação PSD/CDS, foi reduzida em 8%) e implementou regras (que nunca foram objeto de apreciação pela Câmara e Assembleia Municipais do Porto) que se traduziram numa situação de terrorismo social – transferências forçadas de habitação, contabilização para o cálculo do valor das rendas, de rendimentos de pessoas não autorizadas a integrarem os agregados familiares inscritos, ”desarriscamentos” de pessoas sem a sua consulta prévia, despejos com base em incumprimento (por manifesta impossibilidade económica de o fazerem) no pagamento das rendas e/ou em suspeitas de atividades ilícitas, entre outros.

Tudo isto em simultâneo com uma gestão opaca da empresa municipal de habitação, com a recusa sistemática em divulgar informações tão simples como o número, distribuição e caracterização social dos inquilinos municipais, a forma de distribuição dos valores das rendas apuradas, o número de casas devolutas ou mesmo o número dos pedidos de habitação, que foi pela primeira vez transmitido no relatório de contas de 2011 da DomusSocial, EEM.

Nesse sentido, e após quase 11 anos de gestão do parque habitacional (dos quais os últimos 8 anos com a mesma Vereadora) e a menos de um ano do final do seu mandato, a aprovação de um “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto” é, naturalmente, intempestiva, não passando de uma tentativa de impor um modelo de gestão socialmente injusto e incorreto, do ponto de vista da gestão do património habitacional municipal, aos próximos autarcas, a eleger nas eleições autárquicas do próximo ano.

Analisado o conteúdo do Regulamento agora proposto, constata-se que o mesmo não se baseia no princípio constitucional do “Direito à Habitação”, consubstanciando a visão assistencialista – em que a “atribuição de uma habitação municipal é um favor que se presta aos pobres” , que se “tem de portar bem para o merecer” – que tem caracterizado a gestão da coligação PSD/CDS.

Este pressuposto é consubstanciado num conjunto de cláusulas da proposta de Regulamento com as quais a CDU não pode, de forma alguma, concordar. E das quais se destacam:

  1. As limitações colocadas no acesso a habitações municipais:

  • Apenas podem solicitar uma habitação municipal aqueles que vivam no Porto há pelo menos 7 anos – prazo superior àquele que estava em vigor (5 anos) e que é manifestamente exagerado – imposição que entra em contradição com a defesa que o PSD e o CDS fazem da mobilidade laboral, em que os assalariados têm de aceitar a mudança do seu local de trabalho sem quaisquer contrapartidas sob risco de serem despedidos.

  • Um morador e o seu agregado familiar, que por qualquer razão tenham sido despejados de uma habitação municipal nunca mais poderão viver numa habitação municipal – ou seja, passam a estar perpetuamente impedidos de solicitar a atribuição de uma nova casa à Câmara do Porto (o que é legalmente duvidoso, num país que, como se sabe, aboliu a prisão perpétua há muito tempo);

  • Se um agregado familiar tem um elemento que praticou uma atividade criminosa (por exemplo, aquele munícipe julgado por ter roubado um bem alimentar num supermercado), ou haja (apenas!) indícios de ter desenvolvido essa atividade criminosa, então esse agregado familiar não pode candidatar-se a uma habitação municipal;

  1. A transformação dos moradores em objectos que podem ser movimentados de uma casa para outra contra a sua vontade e ao sabor da vontade do poder municipal:

  • Um idoso, por saída dos filhos da habitação, pode ser transferido coercivamente para uma habitação menor noutro bairro, para adequar a tipologia da habitação à dimensão do agregado familiar, esquecendo-se que, muitas vezes, estes mesmos idosos vivem da solidariedade social que se estabelece nas relações de vizinhança;

  • Um agregado familiar que resida num bloco de um bairro que a Câmara pretende vender e que não pretende (ou não pode) adquirir a sua casa nas condições propostas pelo Município, pode ser transferido para outro bairro, de forma a possibilitar a venda da sua casa a outros moradores municipais – confirmando as afirmações da Vereadora da Habitação, pouco antes das eleições autárquicas de 2009, e desmentidas por esta perante a denúncia da CDU sobre a insensibilidade social da medida;

  • A possibilidade de um agregado familiar que tem de ser desalojado para efectivação de obras na sua casa (por causas que lhe são alheias) não ser novamente realojado na sua habitação de origem ou mesmo no seu bairro de origem.

  1. A imposição de critérios subjectivos e não provados (ou objecto de sentenças dos tribunais) na gestão do património habitacional, em particular ao nível da atribuição ou cessação da licença de ocupação da casa:

  • Pode ser despejada uma família sobre a qual exista a “suspeita” (mesmo que “séria “ e “relevante”, sendo que não é definido o que isto é) de actividades “ilícitas”, “imorais” e “desonestas”;

  • Um morador deve abster-se de destinar a habitação a “usos ofensivos dos bons costumes”, seja lá o que isto for.

  1. A não definição, no Regulamento, de critérios transparentes na análise e selecção dos pedidos de atribuição das habitações municipais (que surgem vagos e não concretizados/quantificados), bem como do valor do rendimento a partir do qual um agregado familiar deixa de ter o direito a ter um contrato de arrendamento social e nesses casos qual o tempo que tem para desocupar o fogo – o que significa que, aprovado o Regulamento, será como agora a Domus Social a definir esses critérios e valores, à revelia dos eleitos municipais.

  2. A consagração, no quadro de uma terrível situação de crise económica e financeira que, em particular, afecta a cidade do Porto e a sua população, de critérios de despejo de agregados familiares:

  • Possibilidade de se despejar uma família que tenha um atraso de 3 meses no pagamento da renda, sem que, previamente, se analise a razão para esse incumprimento;

  • Possibilidade de despejar uma família cujo concessionário faleceu (ou abandonou a casa) sem que, antes, se analise a situação sócio-económica do resto do agregado familiar.

  1. A não assunção, neste Regulamento e por parte da Câmara Municipal do Porto como senhoria, de obrigações para com os seus inquilinos, designadamente ao nível de prazos para execução de obras, ocupação de casas devolutas, apreciação de pedidos de alteração do valor das rendas, entre outros, bem como de diminuição dos valores das rendas técnicas quando um bairro está há mais de 7 anos sem qualquer intervenção de reabilitação/manutenção (sendo que é definido que essas rendas técnicas podem aumentar se o bairro for reabilitado).

A CDU considera que este Regulamento, pelas razões expostas, é profundamente negativo. A habitação social é um instrumento público com vista a concretizar o direito à habitação, conforme se encontra consagrado no artigo sexagésimo quinto da Constituição da República, nomeadamente o seu nº 2, alínea a) e b) e o seu nº 3.

A CDU sublinha os impactos que este regulamento teria se fosse aprovado, num contexto de agravamento da crise económica e social, com o brutal redução do rendimento das famílias e crescente desemprego, a que acresce o impacto da entrada em vigor do novo regime de arrendamento urbano, verdadeira Lei dos Despejos. A CDU recorda neste contexto que cerca de 29% dos fogos de habitação permanente na cidade estão ao abrigo do regime de arrendamento privado.

No entanto, em coerência com as posições que sempre defendeu, considera que é fundamental a existência de um “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto”, onde se definam, com clareza e transparência, os direitos e os deveres dos inquilinos municipais e do seu senhorio.

Nesse sentido, e tendo em conta, também, a extemporaneidade da apresentação desta proposta (no final dum mandato e dum ciclo autárquico, dada a impossibilidade de recandidatura do atual Presidente), a CDU considera fundamental que, à semelhança do que acontece com outros importantes documentos estruturais do Município, que a proposta de um “Regulamento de Gestão do Parque Habitacional do Município do Porto” deva ser sujeita a um processo de consensualização entre todas as forças políticas, a partir de uma proposta elaborada por um grupo de trabalho, cujo resultado seja objecto de uma discussão pública antes da sua aprovação e entrada em vigor.

Processo esse que deve envolver os principais interessados, os moradores dos bairros municipais que representam cerca de 20% da população da cidade.

Assim, o Vereador da CDU irá apresentar esta proposta na próxima reunião da Câmara, assumindo desde já o compromisso, de acordo com a responsabilidade que lhe cabe como força política que, reconhecidamente, mais atenção tem dedicado aos problemas da habitação (designadamente social) no Porto, de fomentar esse debate público através de um amplo processo de auscultação dos moradores.

Caso esta proposta não seja aceite pela maioria PSD/CDS (demonstrando-se, assim, que o seu objectivo é o de aprovar um documento que, consagrando as suas (más) práticas sociais, que condicione negativamente a gestão municipal nos próximos mandatos), a CDU assumirá as suas responsabilidades votando contra a actual proposta, apresentando propostas de alteração ao seu conteúdo, bem como de denúncia e mobilização dos inquilinos municipais contra os ataques aos seus direitos que estão subjacentes a esta proposta da coligação PSD/CDS.

Porto, 19 de Novembro de 2012

A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto

Participam na conferência de imprensa os eleitos municipais da CDU e/ou dirigentes do PCP Artur Ribeiro, Domingos Oliveira e Pedro Carvalho.

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