Incoerências – Artigo de Opinião de Rui Sá

Publicado no Jornal Público de 12 de Outubro de 2008

Rui Rio, quando assumiu a presidência da Câmara Municipal do Porto, numa medida que teve o meu apoio, decidiu diminuir os valores das remunerações dos membros dos Conselhos de Administração das empresas municipais (actualmente, esse valor é de cerca de 4 mil euros, para o respectivo Presidente).
Quando tomou esta medida, Rui Rio, ao seu estilo, afirmou que “com ele, a bandalheira acabou”, procurando, desse modo, reforçar a sua imagem de “seriedade”, de “rigor” na gestão dos dinheiros públicos, de “coragem” contra os interesses instalados e de paladino da “moralização” da actividade política.
Já no segundo mandato, com maioria absoluta, Rui Rio, depois de ter decidido transformar os SMAS numa empresa municipal, convidou um Quadro Técnico reputado para assumir a presidência do Conselho de Administração dessa nova empresa. Esse Quadro Técnico (cujo nome não é importante para a análise da questão), terá dito, com toda a legitimidade, que não aceitava exercer essas funções recebendo como contrapartida aquilo que estava fixado e que tinha sido proposto e defendido pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto.
Face a esta situação, a Rui Rio só lhe restavam duas opções. Escolher outra pessoa que aceitasse as condições propostas para o cargo; ou dizer publicamente que, não obstante ter fixado os valores das remunerações das Administrações das empresas municipais, considerava este Quadro Técnico muito importante e competente, razão pela qual abria uma excepção para lhe pagar uma remuneração superior – o que, naturalmente, implicava a anuência da Assembleia Municipal e o cumprimento dos limites impostos legalmente.
Rui Rio não optou por nenhuma destas alternativas e, numa atitude pouco séria e nada transparente, decidiu criar um cargo fictício (Presidente da Comissão de Estruturação – Comissão que, como se sabe, é apenas constituída pelo seu Presidente…), onde colocou esse Quadro Técnico que, aos olhos de todos, é o verdadeiro Presidente do Conselho de Administração, embora tenha um contrato de avença (o que anula, naturalmente, a sua responsabilização pelos actos de gestão da empresa) e ocupe uma posição de staff no respectivo organigrama. E fixou o valor da remuneração em 12.500 euros mensais (mais outras regalias), ou seja, mais de três vezes o valor fixado para o Presidente do Conselho de Administração das empresas municipais (não obstante ter sido pedido, há mais de dois anos e ao abrigo da lei, cópia deste contrato, a verdade é que Rui Rio, que tinha 15 dias para responder, nunca o forneceu).
Não está assim em questão, e ao contrário do que alguns defendem, se o valor da remuneração se ajusta à competência e ao currículo do Quadro Técnico (embora não possa esquecer que Rui Rio é o primeiro Vice-Presidente do PSD, partido cuja líder acha “irresponsável” o salário mínimo passar de 426 para 450 euros…).
A questão é política, na medida em que o que está verdadeiramente em causa é a total incoerência entre o discurso e a prática de Rui Rio. E, quando esse discurso, pensado laboriosamente para construir uma imagem pública, se baseia no “rigor”, na “seriedade”, na “coragem” e na “moralização” da vida política, esta incoerência ganha, naturalmente, mais relevância.

Porto, 14 de Novembro de 2008

Rui Sá, Engenheiro e Vereador da CDU na Câmara Municipal do Porto

 

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