Bairro do Aleixo: Estado no sítio – Artigo de Opinião de Casimiro Calisto

 

O Aleixo, porquê? Porque isto não é uma contenda de somenos e vai marcar o destino de desfavorecidas pessoas. Porque não me acomodo. Nasci, cresci, trabalhei e vivo em Lordelo do Ouro, sempre paredes meias com o Aleixo.

Intitulei assim este artigo pela parecença com o da (cara e tendenciosa) revista da Câmara e porque tenho muitas interrogações, se não certezas do que o Estado (não) fez.

Não pretendo rebater (mas li na íntegra a solução da CMP) a extensa propaganda, distribuída a todos, à nossa custa e vou tentar que a emoção não me tolde a razão.

O Aleixo vai penar pelos seus pecados. Originais e (de) Capitais. É central e por isso a sua deterioração incomoda. Está num local invejado e já não tem fábricas à volta. É o escorraçar dos mais frágeis de zonas agora apetecíveis.

Quando nos anos setenta, vieram os do “Barredo” sabe-se o que se dizia do seu regresso à Ribeira. Obrigados a ir ficando, criaram naturalmente raízes. Agora, gerações passadas são “enxotados”.

O Estado, de que falo, dizem os livros, é responsável e garante da organização social e seu controlo. E abarca também as autarquias.

Se é verdade que o Aleixo se foi degradando, a culpa é apenas dos moradores? Creio que não.

O Bairro foi abandonado à estratégia do quanto pior melhor, em minha opinião.

Quem acabou com a zelação dos espaços comuns? Com o Projecto Integrado? Com a limpeza? Com a Escola primária? Com os apoios às instituições locais? De quem é o terreno imundo atrás da escola, qual bíblico vale de proscritos, onde vagueiam dezenas de dependentes?

O Estado. Em diferentes instituições: Câmara, Ministérios, Institutos, Polícia, etc.

O Aleixo assusta. A vizinhança, a freguesia, a cidade. Todos. Urge mudar a situação do Bairro. E os primeiros interessados são quem lá vive.

A Autarquia, talvez por antecipação política, agitou uma solução avulsa. Surpreendeu, porque sabe-se o prometido, na freguesia e na cidade (e há documentos). As garantias de então, para se ter votos, hoje nada valem.

A trombeta da propaganda, o fazer saber, nunca foi sinónimo de saber fazer, e muito menos de fazer bem e o bem.

Do pedestal se declarou. Uns não cumprem deveres mas a todos se tiram direitos. Nos dias de hoje, de crise, quantas trapaças de consequências terríveis, eram ontem doutas certezas. E inquestionáveis.

Na solução de Rui Rio (qual sacrilégio, questioná-la, pois o homem nunca erra e quando é claro o disparate, a culpa é sempre dos outros) é evidente a desumanidade. Podem ter sempre lá vivido mas sairão mesmo não querendo. Branqueiam esta brutalidade com a mentira do retorno ao Centro Histórico. Essa “vontade meritória” realojaria quantos?

No seu afã de mostrar serviço, Rio, cede terrenos em Lordelo (já com milhares de habitações sociais), no Bairro do Leal, onde, há pouco se expulsou moradores. Oferece oportuno negócio à Banca, permutando casas “malparadas” pelos valiosíssimos terrenos do bairro.

Pergunto onde está o badalado rigor da gestão e do serviço da coisa pública?

Agita o frontal combate à triste realidade da droga. O tráfico agora resolve-se demolindo e desalojando? Que culpa tem quem mora no bairro, se a 1ª Torre é um “supermercado” de droga? E às outras “lojas” da cidade o que lhes vai acontecer?

Dos que ali se definham quantos são do Aleixo e quantos escorraçados de outros lados?

Este terrível flagelo resolve-se com a negociata imobiliária? Mesmo que nasçam ali condomínios de luxo vamos continuar a cruzar com gente desesperada.

Se à hora certa, rumo ao bairro, há o corre-corre dos viciados, caravanas de táxis, ralis de carros a desfazerem-se, porque é que a Autoridade não actua?

Podem os egoísmos prevalecerem e muitos se alegrarem por o “mal” ir para longe, eventualmente. Mas em consciência sabem que não se está a proceder com ética. Haverá sempre incondicionais apesar das evidências. Pode-se alinhar em populismos e estigmatizações fáceis.

Sabemos que vai haver batalhas jurídicas longas, pois as pessoas têm direitos. Os idosos que conhecemos de há muito, desesperados, com a incerteza do que aí vem e os jovens, vítimas ou não, deste “polvo da droga” amargurados pelo “êxodo” forçado, devem acreditar que a lei deste país não se esgota num autarca irritado quando a justiça não lhe faz a vontade.

Dizia recentemente um sociólogo, estudioso dos males da cidade, que não devemos continuar a cavar trincheiras. Temos a ocidente, privilegiados condomínios, no centro o abandono e a periferia desprezada. E não é isso que está em causa?

Pode ser-se justo socialmente e coerente com um projecto de cidade, inclusiva.

A transformação do Bairro é compatível com o desejo dos moradores. Construir, para os queiram ficar, um novo bairro do Aleixo, harmonioso. Realojar, já, quem quiser sair.

Pode-se reabilitar este “pedaço” de cidade sem delapidar património. Financie-se a nova construção alienando terrenos municipais, devolutos, alguns de recentes demolições.

Construir cidade, não é somar habitações, mas conjuntos urbanos equilibradamente organizados e equipados.

Casimiro Calisto.

Membro A F de Lordelo do Ouro (CDU)

Também publicado em “A Baixa do Porto”

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