O Projecto “Bairros Críticos” e o Bairro do Lagarteiro: “A montanha pariu um rato”

 Na sequência do assassinato de agentes de segurança na Cova da Moura, que ocorreu em Julho de 2005, o Governo, como forma de atenuar a preocupação e a indignação que, naturalmente, se fez sentir nas populações, decidiu avançar (Resolução do Conselho de Ministros 143/2005, de 2 de Agosto) com a iniciativa “Operações de Qualificação e Reinserção Urbana de Bairros Críticos”, centrada em 3 bairros de outros tantos Municípios: Cova da Moura (Amadora), Vale da Amoreira (Moita) e Lagarteiro (Porto).

 

Na sequência dessa decisão, foram realizados estudos de diagnóstico da situação nestes Bairros e definidos planos de acção que foram apresentados, com pompa e circunstância, numa iniciativa que se realizou em Lisboa, no dia 2 de Outubro de 2006, com a presença do Primeiro-ministro e de 6 Ministros e Secretários de Estado.

 

Após esta iniciativa, esperava-se que o projecto fosse para o terreno, estando previsto um horizonte temporal para a sua implementação no período 2007-2011. Não foi isso que aconteceu, tendo havido mesmo uma decisão governamental de prorrogação do seu prazo de execução para finais de 2012 (Resolução do Conselho de Ministros 189/2007, de 31 de Dezembro).

 

No Porto, só agora, com a assinatura de um “Protocolo de Parceria” no passado dia 29 de Maio (ano e meio depois da apresentação do diagnóstico e do plano de acção inicial!) é que o projecto está em condições de avançar, embora subsistam muitas dúvidas sobre os seus contornos, responsabilidades e financiamento.

 

A CDU – Coligação Democrática Unitária, em visita que efectuou ao Bairro do Lagarteiro em 14 de Janeiro de 2007, manifestou a sua indignação pelo facto de o processo se estar a atrasar, criticando o facto de se terem criado expectativas aos moradores que não se estavam a concretizar – o que contribuíam para a descredibilização do projecto e dos órgãos de poder político, aumentando o sentimento de injustiça e de marginalização de uma População tão carenciada e fragilizada.

 

Ao fazê-lo, a CDU manifestou desde logo a posição de que considerava inadmissível que o Governo, tendo lançado por sua iniciativa o projecto dos “Bairros Críticos” (como tentativa de resposta, também mediática, à crise provocada pelo assassinato de agentes de segurança), não tivesse disponibilizado uma linha de financiamento para a sua concretização, procurando que os Municípios canalizassem para a mesma verbas que já estavam anteriormente negociadas e aprovadas (caso do PROHABITA). Ou seja, a CDU manifestou imediatamente que considerava uma burla que o Governo apresentasse com toda a pompa e circunstância um projecto, em que as autarquias eram meros parceiros subalternizados, e que, depois, o financiamento desse projecto fosse feito com verbas que as autarquias já dispunham e estavam a utilizar na sua actividade corrente e de acordo com as suas próprias prioridades (naturalmente questionáveis mas no plano político do funcionamento da autarquia).

 

Ao mesmo tempo que o fez, a CDU exortou a Câmara Municipal do Porto e o Governo a entenderem-se para a resolução do problema, na certeza de que não seria admissível um braço de ferro político entre as forças políticas que integram estes dois órgãos do poder, enquanto a População do Bairro do Lagarteiro continuava a sofrer com o estado de degradação em que o bairro se encontra a vários níveis.

 

Infelizmente, este apelo da CDU não foi atendido, e só agora é que o “Protocolo de Parceria” foi subscrito, o que significa que se perderam 16 meses, período de tempo em que a situação no Bairro do Lagarteiro se agravou, com o crescimento das tensões sociais (de que são exemplos os processos de violência ocorridos em Setembro de 2007).

 

Mas a leitura do “Protocolo de Parceria” não pode deixar de constituir uma autêntica desilusão pelo facto de os seus objectivos e acções ficarem muito aquém daquilo que inicialmente estava previsto (e que consta, designadamente, do documento “Lagarteiro – uma intervenção alicerçada na participação”, elaborado pela equipa técnica nomeada pelo Governo para a elaboração do estudo de diagnóstico e do plano de acção). O desfasamento entre os dois documentos é tão acentuado que se pode dizer, sem risco de desmentido, que “a montanha pariu um rato!” e que estes 16 meses de atraso no processo apenas serviram para andar a “cortar” nas iniciativas inicialmente propostas, fazendo com que este projecto pouco se distinga das intervenções de requalificação que estão a ser desenvolvidas noutros bairros ao abrigo do PROHABITA (embora complementada com intervenção social, componente que, como se sabe, está arredada dos +rojectos habitacionais de Rui Rio e da maioria PSD/CDS).

 

De facto:

  • Ao nível da requalificação do edificado, e ao contrário do que estava previsto (“elaboração de um plano de reabilitação física dos alojamentos”, “reparação e remodelação pontual do interior dos fogos (paredes, tectos, pavimentos, caixilharias, infraestruturas prediais e elementos de equipamento)”, “Indicador: reabilitar 100% dos alojamentos”), não haverá intervenções ao nível do interior das habitações (salvo as devolutas), que ficam remetidas para o projecto “Casa como Nova” que, como se sabe, tem tido uma adesão pouco significativa face aos custos envolvidos para os moradores;
  • De acordo com um estudo da Junta de Freguesia de Campanhã realizado em 2006, “30% dos agregados domésticos residentes no Lagarteiro estão a residir em fogos sobrelotados, o que corresponde a 46,5% dos residentes”; esta constatação levava a preconizar-se a “elaboração de um plano de reabilitação física dos alojamentos, atendendo aos problemas de degradação existentes, aos níveis de sub-ocupação e sobre-ocupação (reconfiguração tipológica e/ou troca de alojamento)”; No actual plano, nada é dito relativamente a esta matéria;
  • Ao nível de novos equipamentos no Bairro, estava prevista a construção, entre outros, de um Pavilhão Polivalente de Representação (900m2), uma creche/jardim de infância (300m2) e de vários espaços desportivos que procuravam alterar o espaço físico do Bairro, constituindo uma ruptura urbanística; Na nova proposta, para além da redução das valências, fala-se no “aproveitamento”; de espaços do próprio Bairro;
  • As diversas valências de animação social, formativa, cultural, desportiva, recreativa, empreendedora e de saúde pública são drasticamente reduzidas;
  • Verifica-se o abandono da iniciativa de construção de uma nova esquadra da PSP;
  • Não são propostas nenhumas medidas com vista à efectiva inserção do Bairro na rede de transportes públicos.

 

Por outro lado, o “Protocolo de Parceria” (sintomaticamente assinado longe do bairro e da sua população…) é omisso relativamente às verbas que estão previstas investir, bem como quanto à responsabilidade pelo seu efectivo investimento, o que não augura nada de bom relativamente ao futuro do projecto.

 

A CDU – Coligação Democrática Unitária da Cidade do Porto não pode deixar de considerar que, nestes moldes, este projecto é uma oportunidade perdida para a efectiva reconversão do Bairro do Lagarteiro, impedindo que o mesmo possa desempenhar um importante papel, como projecto âncora e juntamente com o também adiado Parque Oriental, no necessário desenvolvimento da zona de Azevedo de Campanha que, infelizmente, e ao contrário das promessas eleitorais da coligação PSD/CDS, continuará a ser uma zona esquecida.

 

A CDU – Coligação Democrática Unitária da Cidade do Porto lamenta a despudorada demagogia do Governo PS que apresenta uma iniciativa com pompa e circunstância para requalificar e reinserir “bairros críticos” e, depois, não disponibiliza as verbas necessárias à sua concretização, frustrando, desse modo, as expectativas que criou numa população desfavorecida e carente, de facto, de soluções e não de promessas.

 

A CDU – Coligação Democrática Unitária da Cidade do Porto manter-se-á atento à execução do projecto, procurando que o mesmo não seja ainda mais amputado e contribuindo para que a população e os seus representantes sejam envolvidos na sua execução.

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